segunda-feira, 26 de julho de 2010

Reflexões sobre o Teatro Infantil

TEATRO “INFANTIL”?
(Primeiras Reflexões)

Eleonora Montenegro

A primeira reflexão que faço é justamente sobre a equivocada compreensão desse título ou rótulo: Teatro Infantil. Quando falamos o termo Educação Infantil, tratamos com o maior respeito de uma determinada faixa etária, sobre a qual especialistas de todas as áreas do conhecimento se esmeram em traçar caminhos, baseados ainda em outros tantos pensadores e estudiosos desses sujeitos, cidadãos com direitos ao seu espaço, a quem chamamos crianças. Não é, no entanto, com essa preocupação que presenciamos, tristemente, o cenário do teatro oferecido a essa faixa etária, com raríssimas exceções. Irresponsavelmente, assistimos ao “uso” dessa forma teatral como um trampolim para o chamado teatro adulto ou para o público adulto. Com a visão equivocada de se tratar de uma forma mais fácil, presenciamos verdadeiros crimes que mereceriam a intervenção dos que lutam pelos direitos da criança. E com o mesmo despreparo e irresponsabilidade, a utilização também da criança como um meio mais fácil de comércio, vemos se estruturando verdadeiras empresas caça-níqueis com as suas cópias de personagens televisivas e de dramaturgia (se assim podemos chamar) sem a menor compreensão ou estudo dessa complexa e negligenciada criatura chamada criança.
Como funciona esse sujeito a quem chamamos de criança? Com certeza, ela não é uma miniatura de adulto. Ela não é um objeto (dos pais, da Escola ou de qualquer instituição). Ela não é um ser inferior ou primitivo, em crescimento ou evolução. Em evolução estamos todos nós. Ela não é “o futuro da nossa nação”, mas sim o presente, com o seu modo específico de compreensão e apreensão do mundo, com seus limites e potencialidades, seus desejos, medos e fantasias. Ela também não é um organismo passivo a ser adestrado, mas sim um sujeito em seu momento específico de vida.
Não existe uma criança, mas várias, cada qual com o seu jeito de crescer como pessoa. Precisamos combater, então, essa luta desleal das crianças para com os adultos, para garantir o seu espaço e expressão. Quantas vezes ouvimos as frases: “Saia daqui. Quando você for gente poderá falar” ou ainda “Cale a boca que você não sabe de nada”. O desenvolvimento da criança é que propicia o seu aprendizado e não o contrário. Ela irá responder com as suas possibilidades orgânicas e mentais à realidade que lhe é oferecida. Podemos ajudar nesse crescimento, mas não com imposições, com exercícios de poder e, muito menos, com negligência.
Não precisamos de um teatro feito para a ótica da criança, mas sim de um teatro feito pela ótica da criança. Afinal, se procurarmos muito dentro do nosso ser, veremos essa criança guardada, tão esquecida, tão ameaçada e tão carente de expressão. Não precisaríamos, assim, que os pais depositassem seus filhos no prédio teatral para depois os virem apanhar. Por que o cinema consegue com tanta qualidade atingir toda família? O teatro de qualidade é aquele que consegue atingir a criança dos pais, dos tios, dos primos e avós e, dessa forma, quem sabe, possamos contribuir para uma reflexão conjunta sobre esse ser que na nossa sociedade subdesenvolvida e de índice tão absurdo de mortalidade infantil, necessita de respeito, de proteção, de sonho e de voz.

João Pessoa, 04 de agosto de 2009.

terça-feira, 1 de junho de 2010

A IMPORTÂNCIA DA VIVÊNCIA TEATRAL NA ESCOLA

Por
Heráclito Cardoso

O teatro é uma expressão artística milenar, que acompanha o homem desde os períodos mais remotos da nossa história até os dias atuais, fazendo parte do significativo e complexo sistema de vida humana.
Uma arte que exige muito de quem a pratica e muito mais oferece a quem a aprecia. Alimenta-se da indelével necessidade de compreensão e ratificação das ideias, sensações, conhecimentos e sentimentos humanos. Uma linguagem que provoca, sensibiliza, emociona. O teatro quanto expressão artística é capaz de gerar transformações no meio social.
Vários estudos apontam o teatro como uma ferramenta muito importante no processo de desenvolvimento humano. Por conta do seu caráter lúdico e a propositura do estado de jogo, torna-se um elo fundamental nos processos de ensino-aprendizagem dos indivíduos. Segundo os PCNs de Teatro:

A dramatização acompanha o desenvolvimento da criança como uma manifestação espontânea, assumindo feições e funções diversas, sem perder jamais o caráter de interação e de promoção de equilíbrio entre ela e o meio ambiente. Essa atividade evolui do jogo espontâneo para o jogo de regras, do individual para o coletivo. (Parâmetros curriculares nacionais: arte / Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental, p.83, 2001)

A capacidade de teatralidade, de jogo, é algo inerente às crianças desde seus primeiros anos escolares. A escola, como uma instituição formadora do pensamento, precisa está atenta e sensível a esta prerrogativa, para que possa de forma precisa e eficaz, ofertar aos seus alunos a oportunidade de desenvolver suas potencialidades dramáticas, que são fundamentais não só para a expressão artística, mas também na arte de viver.
O teatro permite a vivência de experiências sensoriais diversas, onde, a partir dos jogos teatrais e dramáticos, o jogador pode se posicionar em estado de simulação, envolvendo nessa realidade paralela do jogo, suas emoções, conceitos, valores. JAPIASSU diz que:

A finalidade do jogo teatral na educação escolar é o crescimento pessoal e o desenvolvimento cultural dos jogadores por meio do domínio, da comunicação e do uso interativo da linguagem teatral, numa perspectiva improvisacional ou lúdica. O princípio do jogo teatral é o mesmo da improvisação teatral, ou seja, a comunicação que emerge da espontaneidade das interações entre sujeitos engajados na solução cênica de um problema de atuação. (JAPIASSU, 2001, p.26)

A prática teatral favorece experiências que vão além do processo de integração e do enriquecimento da criatividade. A vivência teatral promove a ampliação da visão de mundo, estimula e desenvolve a consciência cultural e auxilia o indivíduo a se organizar em grupo, desenvolvendo a consciência da coletividade. Dessa forma percebemos que também permite, de forma integrada e coerente, o envolvimento sensorial dos jogadores. Segundo os PCNs de arte (2001, p.84) “No dinamismo da experimentação, da fluência criativa propiciada pela liberdade e segurança, a criança pode transitar livremente por todas as emergências internas integrando a imaginação, percepção, emoção, intuição, memória e raciocínio”.
As representações vividas no jogo é apenas uma ação coadjuvante, pois os signos que acompanham essas experiências são a base do processo. Interagir, intervir, experimentar, são ações contidas no fazer teatral e permitem que o aluno-jogador se posicione de forma crítica ou ativa no processo artístico. O pensamento ideológico e a formação do senso crítico são condicionados pelos processos criativos, vividos, testados. CARTAXO afirma que:

Sempre é bom lembrar que os jogos têm sua carga ideológica. E como não poderia deixar de ser, essa responsabilidade é maior quando passamos a trabalhar com jogos dramáticos, tendo em vista que essas atividades abordam temas que podem representar ações participativas ou ações massificadoras, alienantes. (CARTAXO, 2001, p.51).

Sendo assim, percebemos que o teatro é uma arte que modela o ser humano, atentando para as necessidades essenciais das relações interpessoais, além da compreensão do mundo e de suas estruturas ideológicas. Torna-se assim ideal que o individuo possa vivenciar os procedimentos iniciatórios ao teatro, desde seus primeiros anos escolares. É nessa fase inicial que começam a acontecer as primeiras relações de amizade e de socialização. Neste ponto podemos acentuar a importância da pratica teatral nos processos de cooperação e de estabelecimento de vínculos afetivos. Nisto baseia-se a importância do teatro quanto jogo e não apenas como resultado artístico, como a montagem de um espetáculo, mas como forma de enxergar o mundo. É fundamental pensar no teatro como experiência.
A respeito dos jogos que fazem parte da vivência teatral, os PCNs de arte (2001, p.85) dizem: “Inicialmente, os jogos dramáticos têm caráter mais improvisacional e não existe muito cuidado com o acabamento, pois o interesse reside principalmente na relação entre os participantes e no prazer do jogo.” Este foco está voltado para o trabalho do “ser”, numa experiência paralela à realidade cotidiana. É o estado de jogo que dilata as ideias e a inquietações artísticas, ideológicas e conceituais de cada indivíduo.
Ainda mantendo esse olhar diferenciado do ensino do teatro por meio da prática de jogos, SOLER diz:
A palavra jogo (jocu) tem origem latina e possui como significado gracejo, ou seja, o jogo é divertimento e distração. Porém, o jogo também significa trabalho sério, pois tem o poder de transformar valores, normas e atitudes.[...] Podemos também, por meio do jogo, modificar uma sociedade, tornando-a mais humana, cooperativa e pacífica, ou, ao contrário, tornando essa mesma sociedade extremamente competitiva, violenta e desumana. Devemos lembrar que o jogo pode nos levar a direções variadas. (SOLER, 2008, p.27, 28).

Este pensamento nos leva a refletir que é preciso ter cuidado em como as práticas de jogo no teatro são sugeridas. A sociedade, principalmente na atual era da tecnologia, também tem seus próprios jogos, jogos de disputa, jogos cruéis, onde não há espaço para a simulação, os jogadores jogam com suas vidas reais. Na maioria das vezes não há vencedores.
O teatro é uma arte que é capaz de apresentar uma contraproposta para o mundo. Um curso de teatro, com profissionais competentes, seja no âmbito escolar ou extra-escolar, é sem sombra de dúvida uma alternativa plausível para a transformação de uma sociedade.
Todas as características humanísticas do teatro devem ser refletidas na estrutura orgânica da escola, que precisa ser aberta, atenta e sensível. Esta abertura facilitará o processo e integração do aluno nas experiências de cena. SPOLIN (1987, p.03) afirma que “Se o ambiente permitir, pode-se aprender qualquer coisa, e se o indivíduo permitir, o ambiente lhe ensinará tudo o que ele tem para ensinar. ‘Talento’ ou ‘falta de talento’ tem muito pouco a ver com isso.”.
Não há neste caso uma relação entre talento e aprendizado, todos são capazes de aprender, desde que se tenha uma relação de interesse mútuo entre a educandos e educadores.
A arte teatral vai além da elitização artística, ela transpõe as paredes do edifício teatral e abraça a sociedade através da escola formal e não formal. O teatro está nos mais glamurosos prédios teatrais, mas também está nas ruas, nas comunidades, nos becos, nas igrejas e na escola. Uma arte capaz de modificar o pensamento o humano sem escolher cor, etnia ou gênero, apenas acontece e transforma o ser.
Talvez esta seja a forma pela qual o teatro acompanha a humanidade de períodos longínquos de nossa história até os dias atuais.